Prefeito
desse buraco quente?
Professor
Nazareno*
Eu
não quero ser prefeito. De lugar nenhum, muito menos de um buraco quente e
atrasado como é Porto Velho, a eterna capital de Roraima. A cidade é inabitável
e conta hoje com pouco mais de 500 mil habitantes na área urbana. Em 2023 foi
considerada a pior dentre as 27 capitais do país em qualidade de vida. Sua
população diminui a cada ano que passa, pois já chegou a ter quase 600 mil
habitantes em anos passados. O insólito lugar tem menos de três por cento de
saneamento básico e só uns 30 por cento de água encanada. Localizada numa curva
de um grande rio já assoreado e quase morto, não tem mobilidade urbana, não tem
arborização, não tem áreas de lazer, não tem porto rampeado, o seu aeroporto
quase não recebe aviões, o seu ar é irrespirável, tem o pior hospital público
do Brasil e pode ser destruída a qualquer instante por duas represas que ficam à
montante.
Vereador,
pior ainda! De maneira alguma eu teria a coragem de me candidatar. E se por
acaso me indicassem a algo, desapareceria sem sequer tomar posse. Pertencer ao
Legislativo municipal é compactuar com o prefeito ou a prefeita eleita. Hoje,
dos 21 vereadores de Porto Velho, todos eles, ou seja, 100 por cento, estão ao
lado do atual mandatário. Neste rincão atrasado não tem oposição e muito menos
partidos de esquerda. É um reduto bolsonarista e praticamente só tem eleitores
da direita e da extrema-direita. Isso apesar de ter grande parte de sua
população vivendo na pobreza e na miséria. Muito diferente das outras 26
capitais do país, a suja e fumacenta Porto Velho praticamente não tem também
times de futebol. Óbvio que estádios como aqueles que se veem nas grandes
praças esportivas do país não existem por aqui. E faltar energia diariamente é
uma rotina.
Ser
prefeito em Porto Velho deve ser de um desgosto profundo. Há muita coisa a se
fazer na cidade, mas nada se faz. E ainda assim, o índice de popularidade dos políticos
está sempre em alta. Ser prefeito em um lugar assim é até melhor do que ser Jesus
Cristo. O Salvador só fez coisas boas para o seu povo e mesmo assim, terminou
crucificado e morto. E pior: Ele quase não tinha aceitação popular. Prova disso
é que quando Pôncio Pilatos lavou as mãos, a multidão decidiu poupar Barrabás,
um notório criminoso, e não o “filho de Deus”. Mesmo assim,
jamais eu me candidataria para ser o administrador desse inabitável buraco quente.
A cidade ainda é pequena, mas tem um trânsito infernal e todo desorganizado. Transportes
coletivos também não há, óbvio. Sem rede de esgotos, a água podre e fedida
escorre a céu aberto. A coleta de lixo nem seletiva é. Por aqui tudo é favela!
Então
por que é que quase “todo mundo” quer ser prefeito ou vereador de um
lugar tão desgraçado e amaldiçoado assim? Deve ser por que com índices de
popularidade nas alturas, o caminho para ser governador, senador e até um deputado
federal fica livre. Trabalhar pelo bem comum e pela melhoria do povo sofrido,
esqueçam! Até agora os candidatos não falaram das reais soluções para a cidade
como um bom hospital de pronto-socorro, mobilidade urbana, boa qualidade do ar,
IPTU mais barato, coleta de lixo, saneamento básico, água tratada, porto rampeado,
mais voos no aeroporto local e até arborização. Se Porto Velho fosse uma
mulher, muitos de seus administradores já teriam sido enquadrados na Lei Maria
da Penha, pois há 110 anos que a cidade é estuprada. Experiência
internacional para a maioria dos porto-velhenses é apenas o lindo porto de
Guayaramerín na Bolívia. Aliás, por que o Brasil não doa Porto Velho para os
bolivianos?
*Foi Professor em Porto
Velho.