domingo, 26 de maio de 2024

A maior de todas as invenções

A maior de todas as invenções

 

Professor Nazareno*

 

         Foi a religião, sem dúvida. Não há, em toda a rica história da Humanidade, algo que tenha revolucionado e acalmado tanto o ser humano do que a crença em seres superiores que mandam e desmandam no destino das pessoas. A roda, o fogo, a eletricidade, a democracia, a energia atômica, a pílula anticoncepcional, os mísseis balísticos, o avião, o carro. Nada disso pode se comparar à ideia, nunca provada, da existência de um ser que mora num lugar chamado céu ou paraíso e manda em todos nós. Para Albert Einstein, o Deus que existe é o Deus de Espinoza, ou seja, a natureza e toda a sua complexidade. Para Voltaire, no entanto, “a religião começou no dia em que o primeiro picareta se encontrou com o primeiro idiota”. Já para Sêneca a religião é uma verdade para os imbecis, uma mentira para os sábios e uma utilidade para os governantes.

       Para a maioria dos seres humanos a estupidez e a ignorância não têm limites. Por isso, foi muito fácil a algum esperto convencê-los da existência de “algo superior a todos nós” que está observando as nossas ações, nossos gestos, as nossas palavras e nossos pensamentos lá de cima. E que “se não nos comportarmos como Ele quer e determina e não fizermos a sua vontade”, nos castigará. Quase todas as guerras da História foram feitas em nome da religião. Desde as antigas Cruzadas passando pela Reforma e a Contrarreforma e até pela criação do Estado de Israel no século passado, que o homem usa o nome de Deus para matar, trucidar, explorar, escravizar, dominar, roubar e humilhar outros seres humanos. Talvez por isso, a grande ironia de hoje é que muitos países ateus e sem religião são muito mais pacíficos do que aqueles que têm na fé a sua conduta moral.

    Afeganistão, Paquistão, Irã, Iêmen, Brasil são países em que mais de 90% de sua população têm uma religião. Já países como a Noruega, Suécia, Finlândia, Dinamarca e Holanda são nações em que predomina o ateísmo entre a maioria de seu povo. Quando na sua infinita sabedoria o homem criou Deus, providenciou também todas as situações inerentes a essa sua criação. Um livro sagrado, o inferno, o céu, os santos, os milagres, a vida eterna, a criação do mundo e também os descendentes desse Deus. Para algumas pessoas, por exemplo, Jesus Cristo é o único filho de Deus. Já na religião muçulmana, Maomé foi um dos enviados de Deus e para os judeus, Abraão era íntimo de Javé. O pior dos mundos: os inventores da religião estão, hoje em dia, mesclando-a com a política partidária. Mistura explosiva, religião e política estão ditando regras para seus seguidores.

       Muita gente fala que a religião às vezes dita a moda, censura a arte, nega a ciência, condena comportamentos, arrecada dinheiro dos incautos, promove o atraso e explora a fé alheia. Verdade ou mentira, percebe-se que "há milhares de anos, as lendas, mentiras, besteiras, mitos e costumes primitivos de uma pequena tribo de nômades semisselvagens foram reunidos e escritos em pergaminhos. Ao longo dos séculos, todos estes textos foram modificados, mutilados, truncados, floreados e divididos em pequenos pedaços que foram então embaralhados várias vezes. Em seguida, todo este material foi mal traduzido para várias línguas e vários povos o adotaram como a expressão da verdade, a palavra de Deus definitiva e irretocável". Porém se a religião torna um homem mais amável, fraterno, justo e bondoso, ele não deve abandoná-la. Inventada ou não, foi ela que sempre norteou os destinos do homem. Religião, política e futebol se discutem. Não se misturam!

 

 

*Foi Professor em Porto Velho.


quarta-feira, 22 de maio de 2024

Para que servem os políticos?


Para que servem os políticos?

 

Professor Nazareno*

 

            Aristóteles disse certa vez que a política é a ciência mais importante de uma sociedade. Segundo ele, é essa ação quem define as prioridades em todas as áreas. Assim, a política é muito mais importante do que a educação, a religião ou a medicina, por exemplo. Essas atribuições sociais são, em última análise, determinadas pela política e não o contrário. Sem ela, uma sociedade civilizada desmoronaria e enfrentaria a barbárie e os confrontos só para estabelecer quem lhe governaria. Imagine-se em outras áreas cruciais. A democracia, no entanto, foi criada para estabelecer regras e limites para a política. Dessa maneira, os políticos são extremamente importantes para a condução de todo processo político. Eles são, em último caso, os intermediários entre o povo e os seus governantes. Entre quem paga impostos e quem arrecada. Mas e todo político age assim?

            Definitivamente não! No Brasil, a classe política é na maioria das vezes quase toda ela odiada pela população. Muitos brasileiros só votam porque é escandalosamente obrigatório. Político em nosso país, infelizmente já virou sinônimo de ladrão, de corrupto, de desonesto. Aqui, fala-se que “não existe direita nem esquerda, mas tão somente um bando de salafrários que se reúnem nos gabinetes para roubar o dinheiro do povo, para superfaturar obras e também para praticar todo tipo de sacanagem”. A política é vista em quase todos os meios como um trampolim para subir na vida às custas dos outros. Além de, claro, muitos políticos fazerem de tudo para carrear mais dinheiro e mais riqueza para a elite reacionária que sempre mandou no país. Recentemente vimos três exemplos, dentre tantos outros, de políticos que de certa forma corroboram com esta tese insensata.

            Um governador (da direita reacionária) de um estado assolado por fortes chuvas e inundações com mais de 160 mortos e um outro tanto de pessoas desaparecidas e com incalculáveis prejuízos financeiros, deu uma entrevista reclamando das doações que o país inteiro estava mandando para os seus conterrâneos. “Essas doações físicas podem prejudicar os comerciantes locais”, disse ele de forma monstruosa diante da calamidade que seus governados estão passando com a catástrofe. Depois se arrependeu da estupidez que falou e pediu desculpas publicamente. Talvez ele tenha se incomodado com tantas doações. Afinal dividir o pouco que se tem com quem mais precisa é um ato socialista, humano e até meio comunista. E isso incomoda os reacionários, que querem manter o povo na miséria e na exploração constantes. Fato: passada essa tormenta, todos esquecem.

            Pior foi a proposta de um outro político tentando modificar os artigos do Código Florestal de forma a reduzir de 80% para 50% a cota de reserva legal na Amazônia. Segundo especialistas, esse projeto vai desmatar quase cinco milhões de hectares a mais na região e consequentemente assim podem aumentar os problemas climáticos como este verificado no sul do Brasil recentemente. A parte risível, no entanto, de anomalia social dos nossos políticos coube à proposta de uma deputada federal ao propor uma Moção de Repúdio ao show da Madonna, Anitta e Pablo Vittar que aconteceu no Rio de Janeiro. A parlamentar desrespeita os quase dois milhões de eleitores que foram ao espetáculo. Além do mais, mistura de forma tosca política e religião como se em seu estado não houvesse uma infinidade de problemas bem mais sérios para serem solucionados por ela própria. A Madonna nem vai dormir. Triste: o eleitor vê, discorda, só que torna a votar nessa gente.

 

 

*Foi Professor em Porto Velho.


sábado, 18 de maio de 2024

EFMM, a Paris dos trópicos

EFMM, a Paris dos trópicos

 

Professor Nazareno*

 

          Fala-se que a administração do PT gastou no início desse século a bagatela de 13 milhões de reais para recuperar a Praça da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré em Porto Velho. Já a atual administração gastou cerca de 30 milhões de reais, mas a “escondeu” da população por longos cinco anos. Só agora em 2024, como sempre em ano de eleições, foi feita com pompas e estardalhaços a reinauguração do referido elefante branco. A velha EFMM foi realmente um marco na história da humanidade. Remonta ainda ao Primeiro Ciclo da Borracha passando pelas guerras mundiais e também pela aquisição do Acre. Não restam dúvidas de que sua importância para a criação do município de Porto Velho, capital de Roraima, foi notória. Inaugurada em 1912, a “dormente de ouro” nunca teve reconhecimento. Os seus trilhos hoje se espalham pela cidade como proteção de calçadas.

          A Ferrovia do Diabo (e não de Deus) é a “mãe” de Porto Velho, mas há muito tempo os habitantes daqui lhe viraram as costas. E o vergonhoso cemitério de locomotivas enferrujadas e apodrecendo abandonadas no meio do matagal é a prova mais cruel desta constatação. De um modo geral, os rondonienses não gostam mesmo de sua velha, feia e desajeitada mãe. Na enchente histórica de 2014, por exemplo, deixaram-na se afogar nas caudalosas águas do rio Madeira. Tempo havia para salvá-la da derrocada final, já que as águas chegavam ali mansamente, mas os rondonienses e também os “rondonienses de coração” preferiram ver o espetáculo da sua própria história se afogando. Insensíveis ao seu sofrimento e à sua importância, deixaram todo o seu acervo ao léu e à lama. E o descaso com ela não para, já que logo ali ao lado tem um porto abandonado enferrujando.

          A EFMM talvez não atraia muita gente para vê-la. Muitas pessoas gostam mesmo é só de ver o pôr do sol dali, ainda que em meio aos urubus, ratos, catinga e lixo. Além do mais, a capacidade intelectual de muitos cidadãos locais faz com que a importância histórica da velha ferrovia e o turismo sejam atividades sem sentido. E mesmo quando não havia tanta burocracia para lhe poder visitar, só apareciam por lá raríssimas pessoas. Porto Velho não tem turismo. Em vez de revitalizar algo que certamente não lhe darão a menor importância, deviam era limpar aquela imunda e fedida beira de rio e quem sabe um dia construir ali um porto de passageiros decente e uma boa pista de caminhadas como em Santarém no Pará ou mesmo Manaus. A entrada será gratuita, mas mesmo assim a velha praça pode ficar jogada às moscas e voltará a servir só para os espetáculos circenses.

     Em matéria de turismo, Porto Velho lamentavelmente é o oposto do mundo dito civilizado. Com tanta sujeira e imundice nas suas ruas, violência, falta de saneamento básico, de arborização, mobilidade urbana e infraestrutura de cidade, não somos nem nunca seremos a “Paris dos trópicos”. Enquanto Veneza, Madri, Machu Picchu, Paris, Barcelona, Tóquio e tantos outros paradisíacos destinos mundiais criam barreiras para lhes visitarem, a “capital das sentinelas avançadas” patina em organização, mas hoje implora para que venham conhecê-la. Se o turista adoecer aqui, onde será internado? Nem “Built to Suit” nós temos. E como chegar a um lugar que nem bom aeroporto, nem porto, nem voos regulares, nem boa receptividade existem? Como é que um visitante vai querer explorar a “história fascinante” da EFMM se ela já nem existe mais? Como ter uma “experiência memorável” ao lado de um barranco sujo, íngreme, seboso e escorregadio?

 

 

*Foi Professor em Porto Velho.


domingo, 12 de maio de 2024

E quem vai ajudar Porto Velho?

E quem vai ajudar Porto Velho?

 

Professor Nazareno*

 

            Porto Alegre, a exuberante capital do Rio Grande do Sul foi sacudida neste início de maio de 2024 quase que por uma “explosão atômica”. Chuvas torrenciais de mais de 500 milímetros/dia inundaram a capital dos gaúchos e a reduziram a escombros. O número de mortos já passa de cem pessoas e há até agora muitos desaparecidos nesse “dilúvio” de proporções bíblicas. A área metropolitana da cidade também foi duramente afetada e está um caos, assim como mais de 430 cidades espalhadas pelo território gaúcho. O Brasil deve ajudar aquele estado sem impor nenhuma condição. Por isso, várias cidades de norte a sul e de leste a oeste do país têm contribuído para amenizar a dor dos irmãos riograndenses. Todos eles são vítimas das mudanças climáticas e também do descaso da prejudicial classe política, que só pensa em si mesma e nunca se preocupa com os outros.

            Todos nós, sem exceção, devemos ajudar nossos irmãos do sul e torcer para que a situação não piore ainda mais. Mesmo se tratando de um desastre natural, não há como não entender que se trata de algo causado pela mão humana. A natureza reage sempre quando é agredida. Por isso, o agronegócio predador e as devastações ambientais verificadas em outras partes do Brasil, e também do mundo, têm muito a ver com mais esta catástrofe. O Rio Grande do Sul vive hoje o seu Armagedon. Porém, há uma outra cidade, também capital de um estado, e bem distante de Porto Alegre, que sofre dia após dia as suas intempéries. Trata-se de Porto Velho, capital de Roraima. A cidade do norte até está acostumada com as chuvas torrenciais, que têm diminuído muito ultimamente. O caos na “capital das sentinelas avançadas” é a constante falta de infraestrutura da cidade.

            O drama de Porto Velho, no entanto, quase não é sentido, pois está diluído pelo longo tempo. Mas talvez mate mais gente do que a atual tragédia dos gaúchos. Falta de esgotos e de saneamento básico em uma cidade grande funciona como um holocausto sobre crianças, velhos e pessoas fragilizadas. E em Porto Velho, bem diferente de Porto Alegre, só tem uns dois ou três por cento de esgotos e de saneamento básico. Depois de ajudar a capital gaúcha, os brasileiros deveriam ajudar nossa cidade. Aqui a classe política também não faz nada. Desde 1914, nossa capital é uma pocilga, uma fossa a céu aberto, uma latrina suja e imunda. Porto Velho não tem mobilidade urbana, não tem rede de esgotos e a população bebe água de poços imundos cavados ao lado de fossas podres e fedorentas. Pior: a menos de 5 km há uma barragem que pode se romper e devastar tudo.

      Além de ajudar os seus irmãos gaúchos, os rondonienses deveriam contribuir e muito para diminuir catástrofes como essa. Mas um político local quer é aumentar ainda mais os índices de desmatamentos nas florestas. O povo daqui, de um modo geral, quer recuperar a BR-319 e também pede a volta do garimpo assassino e poluidor do rio Madeira. Com isso, os desastres ambientais só vão piorar. A própria ONU já reconheceu o drama de Porto Alegre como sendo uma consequência dos constantes ataques do homem à já combalida natureza. Porto Velho e Rondônia ajudam agora, mas depois deviam pedir socorro ao Brasil e ao mundo para tentar sair do eterno e fétido lodaçal em que vive há mais de cem anos. Os políticos deviam doar todo o dinheiro do fundo eleitoral para os gaúchos, que sofrem agora. Mas os porto-velhenses têm sofrido muito também. Só que a nossa dor é invisível. Os políticos só se mexerão quando chover merda por aqui.

 

 

*Foi Professor em Porto Velho.

quarta-feira, 8 de maio de 2024

Madonna fez um show divino!

Madonna fez um show divino!

 

Professor Nazareno*

 

            Não assisti ao megashow da cantora Madonna nas areias de Copacabana no Rio de Janeiro. Não sou muito adepto do tipo de músicas que ela canta. Gosto mais de música clássica como as de Vivaldi, Bach ou Beethoven. Por isso, jamais iria a uma apresentação dela. Mas reconheço que a mesma é uma megaestrela mundial que merece todos os elogios. E por isso respeito a sua grande e memorável performance. Respeito os seus fãs e admiradores. No Rio de Janeiro, a popstar norte-americana colocou quase dois milhões de pessoas para dançarem seus animados hits. Fato inédito em um país ainda dividido pela surreal política. Nem Lula e o seu PT muito menos o Bolsonaro com a sua trupe conservadora conseguirão hoje mobilizar tanta gente. Aliás, o colossal fracasso das comemorações do último dia 1° de maio foi uma prova cabal dessa inequívoca realidade.

            Do lado dos conservadores da extrema-direita raivosa o retumbante fracasso de mobilizar pessoas também é visível. Jair Bolsonaro, que está inelegível e na iminência de ser preso e condenado, sentiu o baque. A ala mais religiosa e reacionária do Brasil também percebeu o seu frágil poder de mobilização se for comparada com Madonna. O inelegível estava em Manaus durante o megashow no Rio e parece que “adoeceu” ao perceber o sucesso do megaevento. As cenas divulgadas direto das areias de Copacabana certamente abalaram o sistema nervoso do falso “Mito”. Ficou mais do que provado que Madonna é que é o verdadeiro mito. E mundial. O ataque de erisipela que fez o “Bozo” voltar ao Rio de Janeiro em uma UTI no ar pode ter sido o efeito colateral mais visível do show de Madonna. Para desespero de muitos, a Globo retransmitiu tudo ao vivo para todo o país.

            A cantora norte-americana é tão importante que “com um pé nas costas”, com as mãos amarradas e sem falar ou entender uma única palavra em Português ela inebriou, emocionou e levou ao delírio multidões espalhadas pelo país inteiro. Os invejosos de direita quase morrem de desgosto. Inventaram que foi dinheiro público que trouxe a artista ao Brasil. Mas foi a Heineken e o banco Itaú que patrocinaram todo o espetáculo. No palco, Madonna teve como protagonistas drag-queens, pretos, pretas, lésbicas e gays. O público foi à loucura quando as cantoras Pabllo Vittar e Anitta contracenaram com a popstar. O megashow recuperou também o real valor da bandeira brasileira. Fazia tempo que a nossa bandeira festejava o amor. E quase todos eles vestidos com a gloriosa camisa amarela da seleção brasileira de futebol. Um deslumbre que pode levar muitos ao enfarte.

            O inesquecível e divino show também entronizou Chico Mendes, Marina Silva, Erika Hilton e Cazuza como os verdadeiros mitos de todo o povo brasileiro. Demonstrou inequivocamente que “se o show foi imoral, satânico” como muitos afirmaram, então por que assistiram a ele? Pelo que se sabe ninguém foi obrigado a isso. Nada de censurar nenhum show. Nem gospel, nem ateu, nem de Madonna, nem de outro cantor. O Brasil precisa de muitas outras pessoas como a Madonna e não de Lula ou de Bolsonaro. Ela transmite alegria e descontração. Nada de PT, de PL, de Patriotas ou de outra agremiação política. Nada de políticos escroques que só servem para roubar e explorar o povo sofrido sem lhe dar alegrias nem esperanças. Todos devem se confraternizar em prol da paz e da esperança. Nada de dividir pela política uma sociedade tão sofrida como a nossa. Quando será que ela vai voltar de novo a nossos palcos? Se Jesus é popstar, Madonna também é!

 

 

*Foi Professor em Porto Velho.

sábado, 4 de maio de 2024

Rondônia sacaneia os gaúchos

Rondônia sacaneia os gaúchos

 

Professor Nazareno*

 

            Por causa das mudanças climáticas, o Rio Grande do Sul tem vivido dias tenebrosos neste início/meio de 2024. Chuvas torrenciais têm castigado o estado gaúcho em proporções jamais vistas. Cidades inteiras da paradisíaca Serra Gaúcha estão submersas. O número de mortos e desaparecidos já chega a mais de cem pessoas. Os prejuízos são incalculáveis. Em vez de estar passeando de Jet Ski, o presidente Lula foi ao estado, mandou ajuda e pôs vários de seus ministros à disposição do governador Eduardo Leite. Enquanto isso, o senador recém-eleito do Rio Grande, Hamilton Mourão, ex-vice presidente de Jair Bolsonaro, sequer deu uma só entrevista se solidarizando com seus eleitores. Mas de quem é a culpa por este terrível estado de calamidade que os gaúchos infelizmente estão vivendo? Há um causador para que isso esteja acontecendo?

            Na verdade, os maiores responsáveis por esta tragédia são muitos. E Rondônia se encontra dentre eles. A criação deste jovem e caótico estado da região norte do país foi praticamente baseada na destruição da natureza. A partir da década de 1980, ironicamente para desafogar a região sul dos inúmeros problemas socais no campo por causa da recente mecanização agrícola, o governo militar resolveu transformar o então território de Rondônia em estado. Havia também a necessidade de aumentar na época o número de parlamentares da Arena, o partido que dava sustentação à cruel ditadura militar. E assim foi feito. Vastas extensões de florestas virgens foram devastadas. Índios foram mortos e muitos animais extintos. Rondônia foi um dos maiores desastres ambientais de toda a história da humanidade. Ainda assim, riqueza e prosperidade nunca deram as caras aqui.

Ao longo da BR-364, entre Cuiabá no Mato Grosso e Porto Velho, a devastação da exuberante cobertura vegetal local deu lugar a muitas cidadezinhas pobres. E é claro que toda esta agressão à natureza antes intacta trouxe problemas e turbinou as mudanças climáticas que estão sendo vivenciadas já nos dias atuais. O clima mudou e continua mudando em todo o mundo. O vento, agora quente e úmido, viaja para o sul do Brasil causando esses transtornos que gaúchos e catarinenses estão passando. A destruição da Amazônia é a consequente destruição do mundo civilizado. Mas as desgraças não param por aí. Em Rondônia estupraram o majestoso rio Madeira ao construir duas grandes hidrelétricas em seu calmo leito. O povo originário, enganado, influenciado e incentivado só pelos interesses capitalistas, aderiu ao projeto e hoje também já sofre as consequências.

Agredir a natureza em Rondônia é uma espécie de hobby.  Do pequeno ao grande produtor, praticamente todos já devastaram o seu quinhão. E como se vê, não saciaram ainda a sua vontade. Está chegando agora o verão e com ele os grandes incêndios do que ainda resta de florestas. A fumaça vai nos acompanhar sem tréguas nos próximos meses. Mas como se todas estas desgraças não bastassem, os rondonienses, de novo incentivados pelos interesses escusos, bradam aos quatro cantos pela reconstrução da BR-319. Isso certamente gerará mais devastação ambiental, mais invasões de terras, mais derrubadas e muito mais problemas, principalmente em outras regiões do Brasil como estas enchentes catastróficas no Rio Grande do Sul. Aqui, vê-se quase que diariamente pessoas pedindo a volta do garimpo poluidor no já estuprado e morto rio Madeira. Além de ajudar, Rondônia deveria era pedir desculpas aos gaúchos: destruir a natureza tem consequências.

 

 

*Foi Professor em Porto Velho.