Bairro São João
em Calama/RO
Professor
Nazareno*
Falar sobre o bairro São João de
Calama/RO, a “Veneza esquecida do Madeira”,
é falar sobre a própria vila. Distrito mais antigo de Porto Velho, a capital de
Rondônia, a vilazinha remonta aos idos do antigo Primeiro Ciclo da Borracha
ainda no século dezenove. Situada estrategicamente entre três rios, o Madeira,
o Machado e o Maici e a floresta amazônica, tem seu nome provavelmente ligado
às “palmeiras calamenses” que são
abundantes na região. Outros dizem que o nome da vila se refere às iniciais de
uma companhia de látex, a Companhia de Látex do Madeira, de Ji-Paraná. De
qualquer forma, Calama é um desses paraísos ainda não descobertos da Amazônia
Ocidental. Tem seu povo constituído na maioria por pessoas simples e humildes,
gente boa como pescadores, agricultores, funcionários públicos e ainda alguns
descendentes dos índios Parintintins.
O bairro São João é o núcleo
principal da vilazinha. É onde se situa a igreja de São João, padroeiro do
lugar. E é a própria história de Calama. De frente para o imponente rio
Madeira, a meia distância entre o rio Machado e o paradisíaco rio Maici, o
bairro é o retrato mais perfeito da comunidade. Por displicência das
autoridades, perdeu recentemente o casarão histórico que adornava o barranco
agressivo. Hoje a vila corre o risco de desaparecer sob as águas caudalosas do
rio que lhe banha. O barranco avança sem piedade, mas seus moradores são heróis
esquecidos que não arredam pé dali e sem recursos, lutam como bravos guerreiros
para manter tudo aquilo preservado. Mas a vila não pode desaparecer, jamais. O
bairro São João assim como a vila inteira têm muitas histórias. Seus moradores,
suas pontes, seus personagens deixaram marcas indeléveis e inesquecíveis.
O fim de Calama, entretanto, seria o fim
de uma época. O começo da História de Rondônia está testemunhado naquelas
barrancas, outrora repletas de “pelas”
de borracha e outros produtos amazônicos e hoje essas mesmas barrancas estão
quase esquecidas pelo poder público. Os velhos casarões do Segundo Ciclo da
Borracha e hoje caindo literalmente aos pedaços dão pena a quem os observa. A
construção das hidrelétricas no Madeira também não trouxe boas notícias para
aquele povo ribeirinho: entre Porto Velho e o distrito de São Carlos em breve
ficarão bem pior as condições para a navegabilidade. Dificuldades aumentarão e
pode demorar ainda mais a viagem de barco até a capital. Por conta do “estupro” sistemático do rio Madeira, a
oferta de peixes e outros produtos diminui a cada ano e não se veem medidas
efetivas de compensação para a população carente.
Impossível
não se lembrar da Calama do Senhor Benjamim Silva, o “médico” da região. De Alfredo Teles, um grande batalhador dos ribeirinhos
e administrador do distrito. Do
professor Goldsmith Correa Gomes, que poderia ser o nome da escola. Do
comerciante Joaquim Pires, da Dona Mercedes, do Chico Prestes, do Ivo Santana,
do Santa Bárbara, do Pedro Silva, dos Botelhos, dos Pantojas, do Torquato, do
Caíco, do Caboclinho Neves, do Balbino, do Sr. ZUI, do Padre Vitório e de
tantos outros heróis lembrados pelos moradores. Como esquecer o bom futebol de
Calama que já exportou craques até para a Europa? O clássico local Remo X Ponte
Preta que já não existe mais? O São Francisco e tantos outros bons times? O
peixe com farinha, a carne de caça, o encontro das águas, o fenômeno das terras
caídas, as enchentes e as muitas pessoas que se perderam em suas traiçoeiras
matas?
A secular Calama é assim mesmo: combina
o velho com o novo sem perder o seu charme, o seu encanto. Luta para ter
internet de qualidade. Resiste a toda forma de agressão e não se deslumbra com
o moderno. Suas duas pousadas: a do Domingos e a do Abelha refletem a
tranquilidade local. Mãe de toda a Rondônia e de partes do sul do Amazonas, a
pacata vilazinha observa atentamente, como uma verdadeira matriarca que é, o
desenvolvimento dos filhos e pede para viver confortavelmente no seu anonimato
para que possa ter mais alguns anos de vida. Existe progresso melhor do que ter
uma vida pacata? Mas a violência, as drogas, a pressa, e as mazelas de um mundo
dito desenvolvido e civilizado já insistem em dar as caras por lá,
infelizmente. Porém a vila e o seu bairro São João resistirão bravamente a
tudo. Prova disso foi a heroica resistência à enchente histórica de 2014. Ela
não assusta com nada. Prossegue sua vida mostrando bravura ao mundo.
*É
Professor em Porto Velho.
2 comentários:
Belo texto,
Essa modernidade ta acabando com o povo ribeirinho, principalmente essas usinas que estão acelerando esses processo, pobre povo sofrido esquecido pelas autoridades que nos governam.
Parabéns Professor (ZAL) um belo texto, escreva um desses para a nossa querida Aracagi-PB
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