Bucolismo em
meio à agitação
Professor
Nazareno*
Parece mentira: estamos
em 2015 e ainda existe um lugar bem próximo de Porto Velho que não possui um
único automóvel andando por suas arborizadas e limpas ruas. Tem plantados no
meio de suas largas avenidas jambeiros enormes e mangueiras frondosas onde se
ouve diariamente o canto alegre da passarada selvagem. A sombra é comum em toda
a área urbana. Não é uma cidade propriamente dita, mas um charmoso distrito que
pertence à capital. Isolado e esquecido, mas rodeado pela imponente floresta
amazônica e à beira do majestoso e estuprado rio Madeira, lá está ele como a
desafiar a modernidade e suas maléficas consequências. Muito anterior à criação
de Porto Velho, ainda durante o longínquo Primeiro Ciclo da Borracha, desafia
heroicamente o progresso e mantém com garra a sua cultura e os seus costumes
através dos tempos.
Não conheceu a tração animal, a
indústria, o progresso, nem as grandes rodovias, mas em muitos aspectos
conseguiu superar a cultura e o modo de vida de muitos lugares que se dizem
civilizados. Seus pacatos habitantes, entre duas e três mil almas apenas,
conseguem como ninguém conciliar a vida pacata do campo com os hábitos das
grandes cidades. Seus jovens não usam a internet e, claro, nem as redes sociais,
mas têm celulares de última geração para escutarem suas músicas e assistirem a
vídeos. Facebook, WhatsApp, You Tube bem como várias outras doenças sociais dos
meios urbanos não existem por lá. A garotada adora pescar, caçar, nadar e jogar
bola no acanhado estádio da comunidade. Diferente de Porto Velho, já exportou
jogadores até para o futebol europeu. Os habitantes mais velhos desdenham dos
costumes da cidade.
Televisão existe há tempos por lá. O
Jornal Nacional, por exemplo, é exibido pontualmente às 18h e 30m. Um mimo que
nem a “moderna” Porto Velho conhece nestes tempos de horário de verão.
As novelas e toda a programação são mostradas nos horários dos grandes centros
do país. As notícias são exibidas na hora em que acontecem e nada é gravado
para enganar os telespectadores. Notícias de Porto Velho não existem nem têm
como chegar. Há coisa melhor do que esta? As belas jovens do lugar jogam
futebol como ninguém. É comum ver algumas delas durante os intervalos das
partidas amamentando seus filhos que ficam à beira do gramado torcendo. Muitas
sabem nadar, andar de canoa, tarrafear e também vão à mata para buscar tucumã,
açaí, bacaba e pupunha. Beiradeiras e excelentes donas de casa. Pobres meninas
da cidade!
Muitos dos habitantes deste lugar não se
conformam com a enchente histórica do rio Madeira. Para a maioria deles a culpa
foi da ganância do “bicho homem”. As terríveis alagações que provocaram
o “holocausto dos ribeirinhos” em 2014 e que ameaçam voltar neste ano
poderiam ter sido evitadas. Nenhum tipo da assistência prometida pelas
mentirosas autoridades foi concretizado e o sofrimento e a angústia de muitos
continuam até hoje. A medicina do lugar não é muito avançada, claro. Porém o
inusitado é que a única médica da comunidade lava suas próprias roupas numa
demonstração de humildade. Atendimento em domicílio e a prática de uma medicina
preventiva também fazem parte das suas atribuições. Os portovelhenses precisam
descobrir lugares bucólicos assim para ao menos tentar melhorar a qualidade de
vida e o IDH de sua cidade. São oito horas de ida e 14 de volta. Jamais direi
que lugar é este.
*É
Professor em Porto Velho.
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